Editorial 16

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Foco equivocado

Ao apostar  na loteria, o jogador sonha com o grande prêmio e se põe a fazer exercícios matemáticos, projetando o que faria com um, dois ou trinta milhões de reais. Ele pensa em pagar as dívidas, comprar um carro novo, viajar, adquirir a tão almejada casa própria e mudar de vida. Enfim, ele sonha!

Ter sonhos é entregar-se a fantasias e ao devaneio. É imaginar o que pode ser feito com prêmios de loteria, modestos se comparados aos R$ 8,8  bilhões do lucro líquido obtido, em 2003, pelos bancos que operam no Brasil.

No saneamento básico, com esse dinheiro seria possível lançar em torno de 98 mil quilômetros de redes de água, algo como subir ou descer o mapa do Brasil dez vezes. Daria para substituir duas vezes o parque de hidrômetros de norte a sul e instalar os medidores que faltam em todas as ligações de água do país, num gigantesco programa de controle de perdas e desperdícios. Ou ainda, construir pelo menos uma estação de tratamento de esgotos em cada município brasileiro, diminuindo a fabulosa cifra de R$ 178 bilhões, necessária para regularizar o setor em vinte anos.

É inquestionável que o lucro dos bancos é dos bancos. Foi conquistado com sua eficiência e trabalho e não é lícito almejar o que é de terceiros. No entanto, são discutíveis as condições em que tal “eficiência” se alicerça. Inicialmente, digamos que a custa dos próprios clientes que não encontram condições dignas no recebimento dos serviços e penam horas em filas. Isso porque a mão-de-obra destinada ao atendimento bancário é composta, em boa parte, por estagiários despreparados, desinformados e mal remunerados. Essa é uma forma de aumentar o lucro. Gastando menos, ganha-se mais. (Se o saneamento básico operasse em condições semelhantes, seus administradores seriam execrados em praça pública!) Mas isso é um problema restrito aos bancos e a seus clientes que, pacífica e docilmente, se submetem a tais condições.

Questiona-se todavia a política econômica que permite lucros estratosféricos ao setor financeiro. A mesma política que força outros segmentos, de igual ou maior importância, a se ressentirem de garantias para sua sobrevivência e para a manutenção de empregos.

Há poucos anos, dois programas patrocinados pelo governo federal, o Proer e o Proes, abarrotaram o caixa dos bancos privados e estaduais com mais de R$ 110 bilhões, supostamente para salvar o setor financeiro e o país da bancarrota. Agora, falam em abrir novamente os cofres do Tesouro Nacional para auxiliar o setor jornalístico (leia-se Rede Globo). E à saúde, ao saneamento básico e à educação, quanto vai ser destinado? Certamente, apenas as migalhas anuais do orçamento da União que, além de insuficientes, são as primeiras a figurar nas listas de “contingenciamentos”, palavra da moda para cortar verbas orçamentárias.

Teleguiados por instituições externas que têm objetivos distintos dos interesses nacionais, sucessivos governos se instalam em Brasília com muitas promessas e poucas realizações, com política econômica voltada aos privilegiados, como o denominado “mercado”, sem foco no setor social. Assim se explica a verdadeira origem do estupendo lucro bancário: nos favores e nas aquiescências governamentais.

Responsabilidades cabem ao eleitor interesseiro que vende o voto por uma cesta básica ou por um litro de leite. Eleitor, que erra também, por ser ingênuo e crer em promessas irrealizáveis de campanha. No entanto, culpa infinitamente maior cabe aos atuais eleitos, pessoas que a exemplo de seus antecessores, muito tempo dedicam a explicar ou negar atitudes suspeitas e a bloquear CPIs. Eleitos democraticamente, é verdade, mas não para manter o continuísmo de um modelo econômico voltado a interesses setorizados e nocivo à sociedade. Ao contrário, o poder lhes foi dado para realizarem mudanças sociais, até agora inexplicavelmente negadas a quem neles confiou.

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