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Divagando sobre as águas

Antonio Linus Rech(*)

Por muitos anos exerci atividades no setor de saneamento básico do lado de lá balcão, isto é, dentro do Setor Público. Ingressei nessa área ainda no início da carreira profissional e, de lá para cá, muitas coisas mudaram, conceitos foram substituídos e preocupações, até então inexistentes, hoje perambulam pela cabeça de gestores. Algumas delas extrapolaram do segmento profissional para toda a população e fazem parte do dia-a-dia de cada um. Assim aconteceu com o desperdício, as perdas e a escassez previsível de água.

Deus dá de graça - Talvez pelo fato de Porto Alegre ser banhada pelo Guaíba, que de rio passou a lago por força de legislação estadual - mas que no domínio público continua sento rio, pois de lago ele tem mesmo muito pouco - não ouvi falar no início de minhas andanças pelo saneamento, de perdas físicas ou perdas comerciais de água. Havia debates para definir se seria cobrado do cliente pelo consumo efetivo sob a forma de tarifa ou por taxa fixa, dependendo ou não do volume consumido. Por fim, imperou um misto das duas formas, como até hoje se pratica em algumas cidades. Quem tinha medidor instalado pagava tarifa e quem não tinha era onerado com taxa fixa. Houve quem propusesse jocosamente a criação de uma “taxarifa”, já que eram enormes as divergências legais sobre o tema. Havia ainda a reivindicação popular de que não se deveria pagar pela água, já que “água é um bem de Deus”, vem gratuitamente da natureza e “não pode ser cobrada”. Esqueciam os consumidores que, de fato, Deus dá água gratuitamente, mas ela é posta distante e poluída. Há que ser feito o tratamento e o transporte para dispor o produto nas torneiras domésticas. Foi difícil convencer a população de que pagar era um dever indispensável, assim como já se pagava pelo feijão, o arroz, o leite e, por que não, o cigarro e a pinga. De fato, sobre perdas de água, pouco se falava nos idos anos 60 do século passado.

A bem da verdade, era incompreensível para os técnicos do setor que uma pessoa utilizasse água de forma desregrada, pois isso representava mais produtos químicos, mais energia elétrica e mais trabalho em geral. Enfim, maiores custos. Ainda assim estávamos distantes das preocupações atuais com a poluição dos rios, a exaustão dos mananciais, distantes também dos movimentos ambientalistas, das palestras freqüentes pelo uso e conservação da água, dos congressos e eventos que tanto bem fazem ao conscientizar a população de que água é um bem finito, esgotável e escasso.

Escassez - Aos poucos fui percebendo que a situação adquiria caminhos diferentes e não era mais a de outrora. Causou-me estranheza a primeira vez em que me falaram ser a água um bem finito. Até então, o que os bancos escolares haviam me passado é que água é um bem da natureza que jorra límpida e cristalina nos córregos e rios, exceto quando o homem dela se utiliza, devolvendo-a poluída. Ainda assim, a poluição causada era de influência tão pequena – ai outra vez a presença do Guaíba – que o próprio rio se encarregava disso, da auto depuração. Em pouco tempo de saneamento fiquei sabendo que a nossa realidade na Porto Alegre de então não era a mesma de todo o mundo. Muito perto, aqui em São Paulo, já existia um Tietê moribundo e eu não percebia a dimensão total do tema. Por falar em Tietê, na capital paulista ele já passou da condição de moribundo a morto há tempos. Assim como faz décadas que os ambientalistas lutam para trazê-lo de volta ao convívio pacífico e benéfico à população. É uma luta gigantesca contra as forças individualistas de políticos e gestores interesseiros, bem maior que a própria luta técnica e financeira a ser empreendida.

Algumas cidades fazem pesados investimentos para captar água em outros municípios, pois em muitos deles, este é um bem inexistente. O Brasil, tido como a reserva por excelência e possuidor dos maiores mananciais de água doce do mundo, sejam eles de superfície ou subterrâneos – afinal aqui estão a Bacia Amazônica e dois terços do Aqüífero Guarani - enfrenta dificuldades para buscar água e abastecer sua população. Verdade é que não estamos sequer próximos das dificuldades enfrentadas por países como os do Oriente Médio, mas se olharmos para a gigantesca São Paulo, vemos que está em nível zero a possibilidade de ela ampliar a captação em solo próprio, obrigando-se a percorrer caminhos distantes e onerosos. Há décadas a água é captada em Minas Gerais para abastecimento de parte da capital paulista.

Guerras - Há quem diga ser a guerra o caminho futuro para a solução dos previsíveis conflitos pela falta de água. Muito já foi escrito sobre tema tão polêmico e muito mais se falará a esse respeito. Hoje o mundo briga supostamente por meras questões políticas, mas sabe-se que todos os conflitos bélicos da atualidade têm fundo econômico, têm interesses financeiros. Por mais que o Grande Irmão do Norte nos diga ter invadido o Iraque apenas para derrubar um governo despótico e dizimar os antidemocráticos ou para coibir a proliferação de armas químicas até hoje nunca vistas, sabe-se que o petróleo foi a verdadeira razão para ser deflagrada essa guerra, como todas as outras, imbecil e desnecessária, proveniente da cabeça – ou das mãos? – de um presidente odiado por muitos, amado por meia dúzia e temido por todos. Bush é, como será qualquer um que ocupe seu cargo, a personificação da discórdia.

O petróleo está com as reservas no limite. Em breve, pouco mais de 20 ou 30 anos segundo se lê em publicações e periódicos, o homem precisará desenvolver outras formas de energia para movimentar a humanidade. Novas formas de propulsão mecânica serão criadas e o Brasil, por incrível que pareça, sai na frente com o biodiesel. E, na condição de fonte de energia propulsora, a água é mencionada como possível elemento energético para um futuro não muito distante. Além disso, o crescimento da população intui que necessitaremos cada vez mais de água. É imaginável pois que lutar por ela é uma questão de tempo. E mais, sendo essencial à vida, juridicamente será defensável que questões internacionais sobre água sejam resolvidas com base no "quem tem mais cede a quem não tem", ainda que seja necessário fazer uso da força. Prevalecerá a tese da luta pela sobrevivência humana.

 

(*) Antonio Linus Rech é engenheiro, administrador de empresas e administrador público.

 :01022007:

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